Por Bayard do Couto e Silva Junior,
a.k.a. Absolem
![]() |
Absolem. Muito prazer... |
"E lá estava ele sonhando com o
futuro. Tudo lhe parecia claro, certo. E pronto para ele. Não havia mistério,
não havia medo, estava logo ali virando a esquina. Então Brás acordou e percebeu
que, quando você vira a esquina, o futuro que você escreveu e desejou nem
sempre está à sua espera. Na verdade, às vezes não é nada do que você estava
esperando... O que existe lá é só mais um grande e irritante ponto de
interrogação. Chamado vida."
(daytripper,
Fábio Moon & Gabriel Bá)
Se algum dia, em uma hipotética
entrevista ao Abujamra, eu fosse colocado contra a parede diante daquela
pergunta final ("O que é a Vida?"), minha resposta não poderia ser
nada a não ser a definição dada pelos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá na
abertura do segundo capítulo de sua obra prima intitulada daytripper
(sim,em minúsculo mesmo). daytripper, segundo os próprios autores, é uma
"reflexão sobre a efemeridade da vida". Neste meu texto de estreia no
Quintessência, aproveito da delicadeza de Moon e Bá para me apresentar tal como
sou: Absolem, uma lagarta azul em um constante processo de autoconhecimento,
disposta a compartilhar com quem quiser os resultados da viagem vertical nas
cavernas mais profundas de mim mesmo.
Hoje, revisito a caverna do amor.
Digo "revisito" porque é uma das grutas a que mais empreendi viagens.
Me deparei a primeira vez com o tal do Amor aos 15 anos de idade. Menino
ingênuo, tímido, romântico, ávido leitor de poesia que acreditava ser possível,
um dia, encontrar sua princesa encantada, para quem ele próprio seria também
encantado. Aos 15, apaixonei-me à primeira vista. Uma mistura de cena de
comédia romântica dos anos 90 com animação da Disney. Aliás, até aquela época,
sempre fora um consumidor compulsivo de ambas. Muito resumidamente, a paixão à
primeira vista evoluiu para o primeiro namoro, o primeiro beijo, as primeiras
descobertas sexuais, a primeira noite de sexo. Aos 18 anos estávamos separados.
Permanecemos 10 anos em buscas e mais buscas sem nunca perder de vista, tanto
eu quanto ela, de que éramos o par perfeito um do outro. Aos 28 decidimos nos
dar mais uma chance. Passamos a morar juntos, nos tornamos pais. Aos 32
estávamos casados. Aos 42, separados em definitivo. E sem volta.
Peço perdão, antes de mais nada,
pelo resumo do resumo da versão mais concisa desta história. E permito-me
contá-la assim porque esta história não é o foco desta viagem. Não estou aqui
para contar casos de amor. Não estou aqui para causar no leitor aquele comichão
que o fará sonhar com o dia em que encontrará a sua alma gêmea. Não acredito na
seriedade deste conceito. No entanto, acredito, até mesmo por experiências
próprias, na existência de espíritos afins. Mas não coloquemos o carro à frente
dos bois. Continuemos.
Na minha versão Abujamra, pergunto: "O que é o Amor?" Muitos já tentaram dar explicações e mais explicações sobre o que é o Amor. Prefiro ficar com uma das mais antigas delas. No diálogo "O Banquete", de Platão, livro que narra um encontro fictício entre pensadores e personalidades do século V a.C., em Atenas, para discursarem sobre o que pensavam do Amor, há dois discursos que costumam ficar entre os mais lembrados: o de Aristófanes, grande comediógrafo da época, e o de Sócrates, que dispensa apresentações. A palestra de Sócrates aborda o Amor Fraterno, o Eros Primordial, o amor que deve ser devotado a todo e qualquer ser humano, praticamente a suposta pregação de Jesus de Nazaré, mais de 500 anos depois. O discurso de Aristófanes versa, de maneira deliciosamente poética, sobre o Amor Romântico (ainda que o termo "romântico" aqui pareça anacrônico por ter surgido neste contexto mais de 2 milênios depois, permito-me usá-lo a fim de universalizarmos os termos), o Amor de Afrodite, o amor da carne, da paixão, do desejo, do pertencer de corpo e alma a outro ser humano. E é exatamente sobre o Amor de Aristófanes e Afrodite que pretendo me debruçar. Mais especificamente na humilde tentativa de debater o Mito do Amor Romântico.
Na minha versão Abujamra, pergunto: "O que é o Amor?" Muitos já tentaram dar explicações e mais explicações sobre o que é o Amor. Prefiro ficar com uma das mais antigas delas. No diálogo "O Banquete", de Platão, livro que narra um encontro fictício entre pensadores e personalidades do século V a.C., em Atenas, para discursarem sobre o que pensavam do Amor, há dois discursos que costumam ficar entre os mais lembrados: o de Aristófanes, grande comediógrafo da época, e o de Sócrates, que dispensa apresentações. A palestra de Sócrates aborda o Amor Fraterno, o Eros Primordial, o amor que deve ser devotado a todo e qualquer ser humano, praticamente a suposta pregação de Jesus de Nazaré, mais de 500 anos depois. O discurso de Aristófanes versa, de maneira deliciosamente poética, sobre o Amor Romântico (ainda que o termo "romântico" aqui pareça anacrônico por ter surgido neste contexto mais de 2 milênios depois, permito-me usá-lo a fim de universalizarmos os termos), o Amor de Afrodite, o amor da carne, da paixão, do desejo, do pertencer de corpo e alma a outro ser humano. E é exatamente sobre o Amor de Aristófanes e Afrodite que pretendo me debruçar. Mais especificamente na humilde tentativa de debater o Mito do Amor Romântico.
(Mais uma vez gostaria de lembrar ao
leitor que nada do você lerá aqui deve ser lido como verdade absoluta. Não
acredito em verdades absolutas. Esta é a minha verdade. E por ser minha, ela é
relativa, ela é baseada no meu repertório. Portanto, não me julgue. Apenas leia
e retenha para si aquilo que eventualmente vier a lhe servir. O debate de
ideias e de pontos de vista, se realizado com respeito à divergência, é um dos
maiores trunfos para o contínuo progresso da sociedade.)
No que consiste o meu Mito do Amor
Romântico? Para mim, existem três aspectos principais: a) a busca da realização
do mantra "E viveram felizes para sempre..."; b) o desejo de
estabelecer uma relação intrínseca entre amor e sexo; e c) a monogamia como
cláusula pétrea de um relacionamento entre duas pessoas.
A doce frase que costuma terminar
uma boa parte dos contos de fadas com que, principalmente as pessoas da minha
geração e mais velhas, fomos ninados ao adormecer quando crianças, é de uma
nefasta crueldade. Imaginem o rapaz que lhes descrevi no começo deste ensaio:
aquele aficcionado pelas comédias românticas da Meg Ryan e que assistia a todos
os lançamentos da Disney no cinema ainda na semana de estreia. Imaginaram? Como
é que eu não poderia acreditar no "E viveram felizes para sempre..."?
Desde a infância somos doutrinados, de maneira sutil, ainda que explícita, a
ter como um dos objetivos de vida, encontrar a nossa princesa ou príncipe
encantado. Aprendemos a associar a felicidade ao preenchimento de um vazio
gerado pela ausência do ser encantado que abrilhantará nossos dias e fará com
que passarinhos coloridos cantem em nossas janelas no amanhecer de um dia
ensolarado, mesmo que nuvens negras cubram o céu. Não bastasse essa
doutrinação, ao martelarmos na cabeça de nossas crianças o "E viveram
felizes para sempre...", deixamos de contar o resto da história. Após o
final de cada conto de fadas, existe uma história não contada. A história do
relacionamento. A história de duas pessoas diferentes cujas experiências de
vida, expectativas e visões de mundo diferentes só passamos a conhecer
profundamente após um longo convívio. E muitas dessas histórias que deveriam
seguir após a célebre frase, muito provavelmente não seriam felizes e tampouco
durariam para sempre. E nem teriam como durar, a meu ver, como tentarei
explicar adiante.
Quando estamos vivendo dentro do
olho do furacão do Mito do Amor Romântico, costumamos fazer do amor e do sexo
coisas indissociáveis. O que quero dizer com isso? Simples: se eu amo alguém,
não posso sequer pensar em fazer sexo com outra pessoa. Como se ambos fossem
feitos do mesmo material, como se ambos passassem pelos mesmos caminhos
neuroquímicos, como se os nossos corpos fossem capazes de se comportar
exclusivamente conforme um acordo, tácito ou explícito. Não podemos nunca
perder de vista que, antes de qualquer coisa, somos seres biológicos. Nada que
tenha sido criado pelo homem, tenha o motivo que tiver, deve ser considerado
como verdade natural e inconteste. O historiador Yuval Noah Harari, em seu
livro "Sapiens", discorre longamente sobre o conceito de ordens
imaginadas. Harari se utiliza deste conceito para explicar a formação de
redes de cooperação em massa que possibilitaram a congregação de muitas pessoas
até o limite da criação de vastos e poderosos impérios. Que salto imenso que
dei, não é mesmo? Vou explicar. Para Harari, um dos primeiros exemplos da união
de muitas pessoas ao redor de uma ordem imaginada que favorecesse o convívio
social foi a criação do Código de Hamurabi, o primeiro código de leis escrito
da humanidade. Nada do que continha o Código de Hamurabi poderia ser
considerado como pertencente ao mundo natural, ou seja, nenhuma lei versava
sobre qualquer condição biológica da espécie humana. No entanto, os julgamentos
impostos por Hamurábi foram capazes de sustentar a ordem social no Império
Babilônico, que abrigava mais de um milhão de súditos (o maior da época, em
1776 a.C.). E é aqui que reside minha extrapolação: o acordo de fidelidade
sexual a um parceiro é uma ordem imaginada, ou seja, não natural, tanto quanto
o Código de Hamurábi, que determinava que "se um homem superior arrancar o
olho de outro homem superior, deverá ter seu olho arrancado" (a discussão
sobre o risível termo "homem superior" ficará para outro texto, em
momento oportuno). Este acordo entre as duas, e somente duas, pontas do
relacionamento amoroso é mais uma decorrência do "E viveram felizes para
sempre...". Além de servir para negar a componente biológica de nossos
corpos, aprisiona os seres humanos a um eterno conflito interior responsável
por praticamente beatificar o amor ao mesmo tempo que demoniza o sexo. Como se
não pudesse haver amor sem sexo ou até mesmo o absurdo sexo sem amor.
Por fim, descendo um pouco mais ao
longo da encosta do iceberg, os dois aspectos abordados anteriormente acabam
por culminar em mais uma ordem imaginada, esta porém, com alguns requintes de
crueldade: a Monogamia. A partir do momento em que fazemos o impossível para
tornar concreto o "E viveram felizes para sempre..." (na realidade,
às vezes não fazemos nem o possível, mas vamos abordar o auto-engano em uma
outra oportunidade) e que aceitamos, para o bem desta concretização, a
inextricabilidade de amor e sexo, torna-se inevitável não adotar a monogamia
como condição de existência de um relacionamento amoroso. No entanto, a
monogamia não se restringe somente a uma questão de fidelidade sexual. Mas
partamos daí a nossa análise. A exigência da fidelidade sexual, como defendi
anteriormente, impede que o indivíduo exerça a sua liberdade para respeitar e
dar vazão os anseios de seu corpo, demonizando assim as experiências sexuais
fora do casamento (uso aqui a palavra casamento significando todo e qualquer
relacionamento monogâmico, seja ele proveniente de um acordo tácito ou
explícito). Se estamos falando em privação de liberdade, imposta por terceiros
ou ainda auto-imposta, permito-me dizer que a tal monogamia facilmente se
confunde com posse e propriedade do outro. "O objeto do meu amor é meu e
eu sou dele". Isso não me parece certo. Se algo é de minha propriedade, eu
tenho todo o direito de lhe dar o destino que melhor me aprouver, sem ter que
considerar seus próprios desejos e vontades. Entretanto, o ser humano, enquanto
ser biológico (e aqui também social), é naturalmente dotado de desejos e
vontades, sejam eles físicos ou emocionais. Portanto, a monogamia tolhe o
direito de ir e vir, tolhe a liberdade do indivíduo por fazê-lo acreditar que
este seja o caminho correto para a felicidade. Uso o termo "correto"
porque é o caminho largamente preconizado e aceito para a imensa e esmagadora maioria
das pessoas ao redor de todo o globo. O leitor mais resistente ao que acabei de
escrever pode dizer que no mundo árabe a poligamia é comumente aceita além de
ser legal. Ao que eu respondo: "Poligamia para quem?" Obviamente que
para os homens. E as mulheres? Não estariam as mulheres sendo tolhidas na sua
liberdade? Ah! Mas isso é no mundo árabe. Será? Em nossa cultura ocidental,
fundamentada na filosofia judaico-cristã, como o homem adúltero é considerado
pelo senso comum? E como é considerada a mulher adúltera? A contrário da
mulher, que muitas vezes aceita a infidelidade do marido como sendo
"coisas de homem" e permanece firme e forte no casamento, o homem, em
face da mulher adúltera, sente-se traído e vilipendiado em sua honra e
masculinidade. Então, acredito poder associar o nosso conceito de monogamia ao
machismo, não posso? A meu ver, a monogamia é uma decorrência da estrutura
patriarcal de nossa sociedade, que defende a posse e a propriedade como valores
também nas relações interpessoais. Ou seja, é uma ordem imaginada na qual
acreditamos, porque assim fica mais fácil manter a cooperação entre milhões de
indivíduos em torno de grandes projetos. Percebam que fiz questão de usar o
verbo "acreditar". Crianças acreditam em Papai Noel.
Mas qual é o meu grande problema com
tudo isso? Cada um escolhe o seu próprio caminho, não é mesmo? Aproveito para
relembrar ao leitor que essa é a minha viagem vertical, para a qual você foi
convidado a guardar para si somente o que você considerar útil. O meu problema
é que esse modelo de amor é contrário a algo que me é muito caro: Liberdade.
Respondendo ao meu Abujamra interior, Amor é Liberdade. E quando falo em
liberdade, detenho-me principalmente em dois pontos: a) liberdade de ir e vir e
de escolha; e b) liberdade de ser quem se é.
Quando me deixei enredar pelo Mito
do Amor Romântico-Afrodisíaco-Aristofânico, meu poder de escolha estava
maculado por tudo o que somos forçados a acreditar desde que nascemos: que
existe somente um caminho correto, ainda que com alguns percalços e até mesmo
alguns desvios. Eu não conhecia todas as outras opções de caminho. O que sempre
me foi apresentado, seja pela história ancestral e familiar, pelos dogmas
religiosos e jurídicos, pelas ilusões criadas poeticamente pelas manifestações
artísticas de maneira geral, foi um rol de opções muito restrito e circunscrito
pelo modelo monogâmico de amor que está fadado a viver feliz para sempre. E
essa eterna felicidade incondicional só nos será concedida quando encontrarmos
nossa alma gêmea. E o delírio de sairmos em busca da "tampa da minha
panela" faz com que deixemos de olhar o outro e reconhecer o outro como
ele de fato é.
Ao procurar preencher o meu vazio
existencial, construído de fora para dentro por conta de tudo o que já escrevi
até aqui, eu criei uma projeção de quem seria a pessoa ideal para mim, a
"metade da minha laranja". E a consequência lógica disso foi querer
encaixar todas as pessoas que passaram pela minha vida, e, principalmente e com
mais crueldade, a minha eleita no perfil idealizado por mim. E a recíproca foi
verdadeira. Ela fez exatamente o mesmo. Eu tinha que ser o príncipe encantado e
ela, a minha princesa. Eu a aprisionei dentro dos meus conceitos e ela, a mim
nos dela. Deste modo, como poderíamos dizer que, tanto eu quanto ela, tínhamos
liberdade de sermos quem de fato éramos se tínhamos que seguir o único caminho
correto que havíamos aprendido desde sempre? Um relacionamento fundamentado em
projeções e idealizações sobre o outro, oriundas de uma necessidade de
preencher o vazio interior, me parece estar fadado ao fracasso. E digo isso por
duas razões: a) projeções e idealizações levam a expectativas e,
consequentemente, a frustrações; e b) o amor, para mim, jamais nascerá de um
vazio, mas antes de um ser completo.
Se eu alimento expectativas sobre o
outro baseadas na idealização que eu fiz dele, será quase certa a minha
frustração. Aquele nosso leitor resistente dirá: "Mas eu não alimento
expectativas falsas ou exageradas sobre o outro! Está tudo dentro do combinado!"
Sinto muito em lhe dizer, mas se você alimenta alguma expectativa, por menor
que seja, em algum grau você idealiza o outro e, por conseguinte, aprisiona o
outro ao porta-retratos que você concebeu. Não deixando de considerar toda a
outra parte da nossa história: tendo em vista que nossas idealizações passam
obrigatoriamente pelo que aprendemos ao longo de todos os eventos e influências
que a vida nos oferece cotidianamente, esse porta-retrato, muito provavelmente,
deverá ter sido forjado em algum reino da Disney, com a gravação permanente da
frase "E viveram felizes para sempre..." em letras garrafais.
E já que eu defendo que Amor é
Liberdade, um indivíduo que precise preencher seu vazio interior com algo
externo a ele próprio, não sendo livre, mas antes refém de seu próprio vazio,
não me parece ser capaz de amar. Para amar, é necessário ser livre para
garantir a liberdade ao outro. O amor entre duas ou mais pessoas só me parece
possível quando todos os interessados na relação sentirem-se completos, ainda
que sozinhos. Porque somente um ser completo, que se baste, pode ser realmente
livre. E quando digo livre, por favor, entendam que não estou falando sobre
liberdade de ser promíscuo, ou liberdade de "passar geral". Se você
pensou isso em algum momento, errou grosseiramente. Digo livre, inclusive para
fazer a escolha consciente pela fidelidade sexual ou pela monogamia, sem ter
que exigir isso do parceiro.
Hoje, depois de adentrar inúmeras
vezes muitas das minhas cavernas mais esquecidas, consigo dizer que me basto. Mas
isso é só o começo do meu trabalho de autoconhecimento. Talvez essa sensação de
completude me habilite a amar de verdade. Mas não que eu já esteja pronto;
apenas habilitado. Depois de mais de 40 anos vivendo sob o gigantesco palácio
do Mito do Amor Romântico, hoje resido sob os escombros de sua implosão, ou
seja, ainda tenho muito lixo e muito entulho de que me livrar para que eu possa
amar verdadeiramente, sem idealizações tóxicas. E embora ainda sinta estar sob
muito concreto inútil, pela primeira vez em décadas, sinto-me genuinamente
feliz.
Percebo que o Mito do Amor
Romântico, muitas vezes, me impediu de viver porque foi a sombra por trás de
muitos dos meus medos em virar as esquinas da vida e correr o risco de me
surpreender com os grandes e irritantes pontos de interrogação. A partir de
agora, escolho ser feliz para sempre, sem princesa ou príncipe que me precisem
completar. Sozinho mesmo. E aqueles ou aquelas que quiserem compartilhar comigo
desta felicidade, estão convidados. Podemos descobrir juntos uma nova
possibilidade de amar. Amar inteiro, de maneira livre e libertária, leve e
calma, respeitando o direito que o outro tem em ser quem ele quiser ser, em ir
aonde quiser ir, em escolher o que lhe fizer sentido, sem que esse exercício da
individualidade dele impacte negativamente na minha. Porque somos naturalmente
livres.
Finalizo este texto, convidando o
leitor a escutar a canção "O Quereres", de Caetano Veloso. E esse
convite, obviamente não é mera coincidência.
Caetano Veloso
Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma
salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo
inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em
mim
Ótimo texto que gera muitas e muitas reflexões. De minha parte, já tive um encontro com minha alma gêmea, só essa definição que acho para descrever o que passei. Hoje vivo também vivo nos escombros...kkk
ResponderExcluirEu simplesmente amei o seu texto !
ResponderExcluir(Allan)
👏🏻👏🏻
ResponderExcluir👏🏻👏🏻
ResponderExcluir"Não é sobre ser promiscuo", De fato não, é sobre o direito de exigir a liberdade de o ser. E se me julga grosseiramente errado por o autor assim pre-definir na vã tentativa de afugentar o óbvio, receio ver tal espantalho roto pelo chão. Já não me sobem as sobrancelhas ler conclusões filosóficas apertadas no confinamento meticuloso das palavras, afinal a medimos para escorregarmos para onde queremos. Igual a experimentos científicos onde o resultado já está dado antes mesmo da primeira pipeta sair da gaveta. Amor não é novo, sequer é exclusivo da espécie humana! É em essência simples para desespero dos românticos... é o que une, por cheiro e por anseio, que habilita a humanidade e sua civilização, encapsulado em poesia. E a liberdade? esta não é nenhum sólido platônico, mas um fluido que rapidamente se adapta às formas dos espaços entre nossos desejos e.... as outras pessoas! Já tentou exercer a liberdade pessoal de andar nú em público? Não importa o quanto calor seu corpo esteja sentindo, desde os Sumérios viemos aprendendo a compartilhar o vinho da liberdade. Mas é claro que se deve estar atento ao fato de que embriagues vicia, mas também incomoda outros. Liberdade para ter múltiplos parceiros sexuais? Qualquer coisa que se der por comum acordo, qual o problema? O problema é romper a aliança da confiança, pedra fundamental de qualquer casamento. E eventualmente pior, não conseguir se esquivar do egoísmo de se considerar o principe que libertará princesas acorrentadas à famílias outrem, afinal "Ó liberdade, quant(as dores) em teu nome!". Por fim voto para o autor encontre acima de tudo paz e felicidade
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