O texto de hoje não é meu, mas eu gostei tanto e é tão pertinente ao momento, que decidi compartilhar com vocês!

O jornalista, que por acaso é meu marido, Sylvio Guedes, deu um show sobre o tema da semana passada: Censura.

Boa leitura!

Para os que têm o dom da paciência infinita (não é o meu caso), vou lá com um textão sobre os escabrosos e recentes casos de censura prévia sancionados por um tribunal eleitoral brasileiro.
Taí o primeiro tuíte (Pedro), tentando tornar simples e óbvio para qualquer idiota o cerne da questão. Só que não é. Essa é uma absoluta e perigosa distorção do que está em jogo.
Vamos lá.

Nos tempos mais duros da ditadura militar, toda a produção artística e do que a imprensa pretendia noticiar precisava, antes, ser avaliada por um censor. Ficavam, aliás, sentados nas redações. Hoje, a sociedade está delegando a um cidadão ou grupo de cidadãos, não importa qual seja ele, o direito de impedir alguém de expressar sua opinião em uma emissora de rádio, sob o pressuposto de que o que ele vai falar pode ser danoso, criminoso, perigoso (1).

Ora, a liberdade de expressão nunca foi nem é sem anteparos para garantir a imagem e a reputação das pessoas. Se você transgride a lei no exercício desse direito à expressão, vai sofrer as consequências. Mas a Constituição assegura o direito de quem quer falar e o direito de quem, se sentindo ofendido, quiser buscar reparações. É o processo legal. Nesta equação não cabe alguém (um juiz ou até mesmo todo o STF) vir dizer que, só agora, ou só neste caso, a regra não vale.
Estamos relativizando a censura e depois vamos nos arrepender. Estamos deixando que um ou outro juiz tenha o direito de, previamente, decidir o que pode ou não pode ser dito ou publicado. Não há previsão na Constituição para isso. Pelo contrário, existe a vedação.

Ontem, por 4x3, os juízes do TSE decidiram proibir a estreia antes do segundo turno de um “documentário” (aspas porque não endosso nem conheço o valor empírico do filme), SEM SEQUER terem assistido. Obviamente que, ainda que tivessem assistido, não poderiam tampouco exercer censura prévia sobre conteúdo artístico ou jornalístico. Simplesmente não podem. Pode ser um documentário de merda, horrível, enviesado, canalha, mas mesmo assim não se pode proibir antes de exibir. Isso é censura.

Carmen Lúcia tratou o caso como uma questão “excepcionalíssima”. Mas como podemos aceitar que um preceito constitucional seja assim relativizado em uma corte eleitoral? Não é o caso de ser pra cá ou pra lá, a favor de fulano ou de sicrano. O que nos “beneficia” hoje pode (e vai) nos atingir amanhã.

O autor do segundo tuíte (Mário), vai mais além na mistificação. Para começar, interpreta ao seu bel prazer a decisão do TSE. Não se fala, na decisão, em cobertura equilibrada. E, ainda que se falasse, quem é o julgador neste critério? A quem compete o poder de avaliar e decidir se o que um jornalista falou estava no limite da liberdade de expressão ou extravasou para o chamado delito de opinião? Sabe a quem? À Justiça, por meio de um processo onde existe amplo direito à defesa, o íntegro e completo processo legal, a presunção de inocência e por aí vai. Tudo isso foi atirado no lixo não só com essa, mas com várias decisões nos anos recentes, sempre sob a justificativa de que é preciso combater o fascismo, derrotar as forças do mal, vencer Bolsonaro e por aí vai.

Não, a decisão do TSE, tomada novamente pelo apertado placar de 4x3 (2) foi bem clara ao CERCEAR, sob pena de multa, o direito de opinião dos comentaristas da emissora. Imagine se seria possível o TSE proibir a Folha de S. Paulo de publicar editoriais, ou artigos assinados, criticando o Bolsonaro? Ou a Globo de dar no Jornal Nacional várias notas editoriais criticando, com razão, as atitudes desumanas e negacionistas do governo e do presidente brasileiro durante a pandemia? É a mesma coisa. Qual a diferença? Nenhuma. Zero.

Outro ponto: a decisão do TSE implica PREVER que a emissora vá cometer delitos e já impõe a ela que, de antemão, não fale, não comente, não toque no assunto.

(1) só lembrar que tudo começou porque os comentaristas da emissora criticavam insistentemente o fato de Lula afirmar que foi inocentado, até pelo Papa e pela ONU. O que qualquer pessoa sabe que é mentira. Processos e condenações foram anulados, o que é bastante diferente.

(2) Não por acaso, três dos quatro votos favoráveis são de ministros do STF, entre eles Carmen Lúcia. O que é paradoxal, teratológico, já que essa mesma ministra da Suprema Corte, em histórico julgamento, consolidou o entendimento do STF de que é inconstitucional exigir a autorização prévia para a produção e divulgação de biografias de pessoas públicas.

Naquele dia, a ministra disse: “Não pode o legislador restringir ou abolir o que é estatuído como garantia maior (...) Não pode, pois, ser anulada por outra norma constitucional, por emenda tendente a abolir direitos fundamentais (inciso IV do artigo 60), menos ainda por norma de hierarquia inferior (lei civil), ainda que sob o argumento de se estar a resguardar e proteger outro direito constitucionalmente assegurado, qual seja, o da inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem”.

Comentários