Enquanto os outros dormem

Tenho insônia.

A insônia mais crônica e mais estranha do mundo. Ela me ataca à noite. posso estar morrendo de sono, cansaço, tédio. Mas se eu deito para dormir, o monstro que me impede de dormir chega correndo.

Acredito que esse monstro passa o dia dormindo, porque se eu deito para dormir à tarde, tenho um sono bom, com sonhos bons e um descanso incrível.

Minhas noites são conturbadas. E como se não bastasse a droga da insônia, meus pensamentos acelerados cruzam as linhas de chegada dos mais diversos temas. Enquanto as pessoas dormem, eu traço metas, faço planos, revivo momentos bons e ruins. escrevo poemas e planejo o próximo livro - cujo tema ainda não consegui decidir.

Enquanto as pessoas dormem, ouço o barulho dos caburés e morcegos. Grilos e outros insetos que não sei identificar compõem a sinfonia noturna. Abro a tela do celular. Checo o e-mail na esperança da vaga de emprego ser minha, olho as mil promoções que chegam, abro o instagram, o facebook, o linkedin e por fim, enjoada, desligo tudo e minha mente não desliga.

Rolo para lá e para cá. Cansada e estressada com o monstro da insônia, recorro ao medicamento que minha psiquiatra me passou há anos. Não gosto muito dele porque ele desliga o meu cérebro sem desligar o corpo. O resultado é que já falei coisas inimagináveis para as pessoas. Já fiz coisas, tentei cortar a unha do cachorro e sei lá mais o quê, e no dia seguinte nem ter ideia de nada. Já passei noites e noites virada esperando meu pai chegar em Portugal com o meu medicamento...

Estes últimos dias, por conta de muitas coisas que vêm acontecendo na vida, tenho tido diversos ataques de pânico na hora de dormir. Viro para um lado e para o outro e o monstro está ali. Com essa história de Covid-19, minha pior fobia - ficar com falta de ar - voltou. Sempre que eu penso em alguém agonizando com falta de ar, também me falta o ar. Levanto com a sensação de engasgo, bebo água, abro a janela, caminho para lá e para cá recordando o meu tempo de criança com bronquite. Meus pais ao pé da minha cama com nebulizadores e sprays. Nada me acalmava mais que saber que meus pais estavam ali.

A sensação de afogamento me acompanhou pela vida. Sempre que estou cansada e deprimida - vocês sabem que tenho transtorno bipolar - a falta de ar se junta à minha insônia e a festa do pijama tá formada,

 

Ontem foi uma dessas noites. Depois de ver o Brasil mergulhar no mais triste breu com as mais de meio milhão de mortes por covid e o Pr. Bolsonaro insultar - de novo - uma jornalista e, por conseguinte, o Brasil, fiquei pensando porque raios o brasileiro é tão pacífico.... Por que tanto radicalismo e tão pouca empatia?

Essa semana completa um ano que pensei ter perdido minha filha para um AVC. Graças a Deus ela está ótima. Só a minha ansiedade por um Brasil melhor que se agravou. 

Penso nas mães e pais que não têm a oportunidade de levar seus filhos para um atendimento médico de excelência e rapidez. Penso nas mais de meio milhão de famílias que perderam seus entes queridos para uma doença que, se tivesse sido controlada de forma melhor, poderia ter sido minimizada.

Penso que heróis são os pais e mães e cuidam dos seus filhos doentes sem a menor ajuda do estado, que passam fome para dar alimentos para a família. O Brasil não tem Mito algum, não tem presidente, não tem líderes decentes. Tem ladrões de sonhos e de vidas. Tem políticos podres que roubam da merenda e da saúde. Não tem #vivaosus, mas deveria ter #vivaa ciência.

Enquanto os outros dormem, eu espero, traço planos. Mas não tenho esperança. Meu coração está partido com tanta inocuidade e tanta intolerância. 

Enquanto os outros dormem, penso que eu deveria me importar menos, assim, quem sabe, a insônia desista de habitar em mim?