A FELICIDADE DO ABSURDO

 

                                 Uma das muitas descobertas perturbadoras do século XX foi a revelação de que a vida é essencialmente absurda. Kafka foi o primeiro a desenvolver essa idéia ( recomendo a leitura de Kafka um gigante da literatura, em especial o livro A Metamorfose ). 

                        Em suas histórias de busca, o herói se frustra constantemente, sempre incapaz de conseguir entrar no castelo ou ter a ajuda da Lei, mas igualmente incapaz de abandonar a busca. Em outras palavras, a busca por significado jamais o encontra, mas apesar disso deve continuar. E, enquanto Kafka desenvolvia esse tema na literatura, os físicos chegavam a conclusão de que, no nível subatômico, nada existe a menos que seja observado. Assim, a busca pela natureza da realidade revelou que na verdade não existe realidade. Que maluco não ? Werner Heisenberg, descobridor do princípio da Incerteza, declarou desesperado, que a própria natureza era absurda. Na filosofia Albert Camus comparou a condição humana ao destino de Sísifo, a figura mitológica, condenado a empurrar uma rocha montanha acima pela eternidade. Apesar de um destino absurdo, Camus acreditava que Sísifo podia ser feliz. Depois o grande dramaturgo Samuel Beckett acrescentou no teatro uma nova tendência: uma saga de busca sem busca. Em Esperando Godot ( nunca vi a peça mas sei que é genial e icônica na dramaturgia ) seus dois vagabundos modernos são muito indolentes e muito pouco curiosos para partir em uma jornada em busca de significado. Ao contrário, apenas esperam que o significado venha até eles. " Godot está prestes a se revelar " eles repetem infinitamente, mesmo sabendo que ele jamais chegaria. Para Beckett esse absurdo era hilariante. Tem até uma gíria " do meu tempo " que se dizia do sujeito que tentava aplicar um " Godot " ...

                      E o riso sarcástico parece ser a única reação possível. Não há como voltar à certeza, à simplicidade e a inocência. O único caminho é o da confusão, da incerteza e da astúcia. O absurdo é o novo sublime.

                         Escrevo isso hoje perante a minha perplexidade diante da nossa situação nesta pandemia e da própria pandemia em si. Todos os absurdos que aconteceram e acontecem em todos os âmbitos, principalmente o político, mas também passando pela ciência, pela medicina, e por nossa condição de fragilidade completa diante de um inimigo invisível e letal: um vírus.

                      Por isso penso no absurdo de nossa existência, de nossa condição, de nossas atitudes, de nossa razão ou não, de nossa irracionalidade, da nossa incapacidade de agir e compreender... Enfim estamos assistindo as reações mais absurdas das pessoas praticamente todos os dias e a toda hora, negação e afirmação, ciência ou política, isso ou aquilo, a favor ou contra, polarização e extremismo, tudo isso somado e jogado em um país que sofre e chora por suas vítimas, e que nos toca ou não de formas jamais imaginadas...

                    Voltemos a Sísifo, a personagem mitológica, e seu esforço hercúleo com a rocha morro acima, e a sentença dos deuses:

                    " Você acreditou que o trabalho duro e eterno o libertaria ? Nenhum homem escapa a agonia de sua escolha ".

                       Portanto, as pessoas fazem as suas escolhas, e a responsabilidade por isso ninguém escapa...


                            Por Ademir Silva

Comentários

  1. Quem planta morangos, não espera colher abacaxis... As pessoas são o que são. Pode haver mudança? Pode, mas para que isso aconteça a primeira coisa é ter consciência daquilo que você é. Texto bem filosófico... Abraço

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  2. "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece"
    POSTADO EM %1$S27 DE FEVEREIRO DE 2015AutorSara Barbosa Miranda
    O título e o tema de nosso post de hoje é o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
    Lembrei desse trecho, se encaixa. Boa noite

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