A POLIDEZ - PARTE 2

 

                      Voltemos então a falar sobre a polidez, em tempos tão difíceis como os que estamos vivendo com essa pandemia e crise sanitária sem fim, e em um país dividido radicalmente pela política, acho que faz sentido pegar mais leve.

                Sou adepto da polidez no casal, por exemplo. Com a ferrugem do tempo, os homens e as mulheres acabam as vezes por não ter mais consideração um pelo outro. A polidez neste caso consiste em voltar sempre, e sempre ao momento em que se conheceu e em que se buscava seduzir, é claro, mas também em manter uma relação agradável com o outro. As pessoas que se abandonam a excessos de linguagem ou de comportamento deveriam lembrar de suas boas maneiras no início. Uma questão de memória. É lógico, nem sempre é fácil. Há um exercício das emoções , do diálogo. É como dois barbeiros, é necessário responder ao outro na sua linguagem. É como uma peça de teatro, nesse caso não se pode escolher o tom da peça que se está fazendo. Não há apenas um autor. É uma criação coletiva, e as vezes somos obrigados a representar um papel a contragosto. Mas numa certa idade pode-se decidir " isso nunca mais " mesmo que se saiba fazê-lo. 

                Uma receita para isso? Talvez o humor, quem sabe. Um grande autor já disse que o humor era a polidez do desespero. Acho que é verdade. Não tenho certeza se vocês me entendem , mas desisti de ser compreendido por todo mundo. Tenho o mesmo problema com a política, com o racismo, misoginia etc. O outro lado da polidez do humor é a possibilidade que ele oferece de sofrer menos. Sabe aquele dispositivo que protege você da violência do cotidiano ? Em todos os momentos da vida, deve-se tentar não falar de forma pesada e dramática ( eu mesmo me esforço para isso todos os dias, embora meu lado " Schopenhauer" fale bem alto ). A brilhante autora francesa Marguerite Yourcenar dizia : Deve-se tentar envelhecer sem pesar com toda a sua carga sobre os outros. " Na minha opinião isso deve ser uma constante. A polidez não consiste em se forçar a ser um outro. Acredito que não é possível medir a emoção m,as é possível medir o riso.

                Acho que sei até onde ir quando abordo temas sérios ( embora muitas vezes tenha me degladiado ferozmente com meus interlocutores e principalmente minhas companheiras ). Mas reclamo também o direito a superficialidade, a inocência, ao riso pelo riso. Não desejo que tudo aquilo que digo seja carregado de mensagens, isso é meio assustador. Estou no meu lugar, não tenho nem forças nem meios para mudar o rumo das coisas. Temos que ter a noção de respeito. Não acho que seja preciso dizer puta que pariu, porra, merda por qualquer motivo, como tenho visto direto nas relações entre casais e tristemente entre filhos. É necessário distinguir grosseria e vulgaridade. Para as situações de impolidez, há um sem número de exemplares;  a falta de respeito no trânsito por exemplo. Há horas que a polidez não tem mais vez. É claro que as diferenças entre homens e mulheres afloram muito em uma relação, mulher em geral é mais suscetível de rodar a baiana por qualquer coisa que o homem, falei no geral...

               Acontece que muitas vezes não há a menor necessidade. O que é a cortesia ? É sem dúvidas superar o reflexo, mesmo quando se é um apaixonado pela verdade e pelo natural, sem cair nas caricaturas da polidez, que são a hipocrisia e a mentira. A cortesia é estar sempre pronto para dar ao outro aquilo que se espera para si na relação, cotidiana. Muitas vezes é difícil quando se é maltratado. Sejamos mais corteses e mais polidos, que é o respeito pelo outro , pela sua diferença. Lembrando que a impolidez extrema é a ditadura, o genocídio, e a palavra genocídio não deveria ser confiscada por ninguém...

                 Por Ademir Silva