Perdoar x Esquecer.

 

Quando criança eu era um capeta. 
Eu aprontava muito. Vivia metido em brigas e tretas. Muitas vezes me metia em tretas com moleques mais velhos e algumas vezes apanhava. 
Eu morava numa das 3 casas que existia em meu quintal com meu pai e minha mãe. As outras eram ocupadas por uma tia (Edith) e a por minha tia Isa, meu tio Roberto e seus 3 filhos (Beto, Alexandre e Gisele) que eram mais velhos que eu.
Nossa rua era sem saída e todos os vizinhos se conheciam.
Por ser mais novo, e acima de tudo um Diabo, eu me garantia muitas vezes nos meus primos mais velhos quando perturbava os outros moleques da rua. Na maioria das vezes isso funcionava. 
Até que um dia, depois de eu dar uma paulada(eu disse que era ruim!)em um dos moleques mais velhos, eles se cansaram de ter medo dos meus primos e decidiram me dar um “sacode. O “sacode”, se você não for Carioca, consiste em você arregimentar várias pessoas e meter porrada em uma outra...selvagem, mas eficiente.
Quatro moleques me bateram: Anderson Maluco, Rogério Macaquinho, Verruguinha  e Renato Cagão. Apelidos suburbanos que se você nasceu em berço esplêndido nunca entenderá a graça. Eles fizeram um bom trabalho, reconheço. Bateram o suficiente pra machucar, mas não quebraram nada. Eu tinha 10 anos, os moleques tinham entre 12 e 16. O que eu dei a paulada tinha aproximadamente 14 anos.
Cheguei em casa todo sujo e machucado, meu primo mais velho, Beto (primo que chamo de irmão) me perguntou o que houve, eu chorando de raiva expliquei. Ele então foi até os moleques e os quatro acharam que poderiam fazer com ele o que fizeram comigo. Ledo engano.
Beto tinha 16 anos, era alto e lutava judô. No melhor estilo Daniel San, ele bateu nos quatro garotos; e, nesse processo o Rogério Macaquinho teve seu braço quebrado. Assisti a luta “de arquibancada” sentado  no muro que separava meu quintal da rua.
Ganhei mais um tempo pra aterrorizar minha rua, sem apanhar de ninguém. 

Me mudei para Porto Alegre, 11 anos depois daquele data. E, anualmente voltava ao Rio para visitar minha família Paterna e meu irmão (Primo Beto) que até hoje mora no mesmo endereço. 
Numa dessas visitas, eu e o Beto fomos para o barzinho da esquina, beber cerveja e contar as novidades e fatos que tinham rolado  em nossa vida naquela ano distantes um do outro.
Entre a segunda e a nona cerveja, um homem alto com cara de malvado se aproximou da gente. Ele tinha uma pistola na cintura.
Alguns Cariocas, de tão habituados com a violência urbana, por instinto já olham pra cintura dos agressores e conseguem identificar o que os meliantes portam. Eu sou um desses Cariocas.

- Você lembra de mim, Beto? - perguntou.

- Sinceramente, não. Mas, eu conheço tanta gente...  -  meu irmão sabia que estava em mais lençóis.

- Eu sou o Rogério Macaquinho. Lembra que você quebrou meu braço? - sua expressão era de ódio. Um ódio acumulado por mais de uma década.

- Oi, Roger...- tentei falar, mas fui cortado.

- Não tô falando com você, Allan! - ele falou grosso, eu covarde(e esperto)que sou, me calei.

- Olha Rogério, a gente era criança. Eu nem lembrava disso. Tem tanto tempo...- Meu irmão lutava pela vida.

- É, Beto...quem bate, esquece. Eu não me esqueci. - e, se afastou de volta para sua mesa, sem tirar os olhos da gente.

Eu e Beto ficamos com medo, mas ao mesmo tempo não podíamos sair do bar naquele momento.
Eram umas 2 da tarde. Estávamos tão perto de casa! Eram 3 minutos de corrida que poderiam ser a diferença entre nossa vida ou morte. Decidimos esperar. Assim que o Rogério Macaquinho se distraiu, saímos discretamente, pedimos pro dono do bar “botar na conta” e fomos caminhando rápido até nossa casa. O pai do Beto, meu tio Roberto, era policial e estaríamos seguros em casa.
Naquele mesmo dia, no final da tarde o Rogério Macaquinho trocou tiros com a polícia e morreu. Ele tinha virado assaltante de banco, fazia parte de uma facção e tinha saído da cadeia na manhã do dia em que nos encontramos.

Eu contei essa história(real) da minha minha vida para explicar uma característica da minha personalidade. Eu aprendi que o perdão é algo que faz mais bem à quem perdoa do que ao perdoado. E, eu perdôo aqueles que me fazem o mal. Mas, vai ser quase impossível para essa pessoa conseguir me atingir novamente.
Eu vou ser educado, simpático e posso até ajudar quem me agrediu. Mas, essas pessoas nunca irão entrar no meu “círculo da confiança”...Por mais que elas possam crer que eu esqueci o mal e esteja “aberto” à elas.

“Quem bate, esquece !”

Eu e Rogério Macaquinho não esquecemos...

Comentários

  1. É desse jeito. Na vida também é assim. Não é só a violência física que fica gravada. Todos os tipos ficam. Perdoar? A gente perdoa. Mas esquecer? Duvido.

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  2. Perdoar é um remédio para a alma. E esquecer é algo que não nos apetece. Adorei teu texto!!!!

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  3. Perdão ou vingança. Ambos exigem altos preços, onde só quem vai paga-los, conhece seu valor. Conhece o caminho quem passou por ele!

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  4. Perdoar não é esquecer. Perdoar independe de esquecer.
    Perdoar e esquecer são coisas distintas.
    O cérebro registra todos os fatos, por isto quem perdoa não tem que, necessariamente esquecer.
    Na verdade o esquecimento é no sentido de diluir a mágoa, a raiva ou o ressentimento que o fato gerou, caso contrário o perdão é superficial ou até mesmo ilusório.

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  5. Perdoar é uma dádiva , mas é exatamente isso, não conseguimos esquecer que apanhamos, isso sempre nos traz uma lição enriquecedora e poderosa sobre nós mesmos e a vida, a luta da vida. Belo texto e ensinamento.

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